Os maiores problemas da minha vida vieram justamente do que mais me orgulho: minha capacidade de me expressar. Foram diversas situações, cada uma analisada por psicólogos, e o padrão encontrado por eles sempre foi o mesmo: o problema raramente estava em como eu falava, mas em como queriam me entender. Algumas pessoas simplesmente decidiam não me “perdoar”, independente do que eu dissesse. E isso me destruía – não por precisar ser amada por todos, mas por odiar ser transformada em vilã. A seguir, compartilharei com vocês a primeira vez que fizeram questão de não me ouvir e como isso realmente marcou a minha vida para sempre.

O Tribunal da Cinderela: Quando um olhar virou crime
Cursei meu ensino fundamental como bolsista numa escola particular religiosa onde desenvolvi minhas melhores qualidades: era uma boa aluna, querida o suficiente (embora longe de ser a mais popular), participativa e naturalmente líder nas atividades e grupos que participava. Ao ir para o ensino médio, quis mudar de escola para uma não-religiosa e escolhi uma que tinha, nas atividades extracurriculares, aulas de Teatro pois naquela época eu estava decidida a me tornar atriz.
Ao chegar nessa escola nova, tudo pelo que eu era valorizada na escola anterior virou motivo para eu ser ostracizada: virei a “aparecida”, “metida”, “puxa-saco” e eu não entendia o porquê – só muitos anos depois, já adulta e com a ajuda de um olhar de fora, me dei conta de que o motivo era que, naquela nova escola, já existia uma “Andarilha” (vamos chamá-la de Vanessa). Ela era uma pessoa gentil e madura, mas o seu grupinho de amigas não – e ao invés de me admirarem pelos mesmos motivos que admiravam a Vanessa, elas me enxergaram como uma usurpadora, mesmo que eu nunca tenha feito nada para “tomar o destaque” dela. Eu apenas era quem eu era, fazendo o que sempre fiz.
Nós todas estávamos no grupo de Teatro. Quando a professora anunciou que faríamos uma Cinderela cômica, testei para o papel principal junto com Fabi, uma das amigas de Vanessa – mas também testei para outro papel bem menor, achando que nem passaria pois eu tinha consciência da minha ausência de veia cômica. No dia do resultado, estávamos em círculo: eu sentada perto da professora, Vanessa e suas amigas do outro lado.
Quando a professora disse “Cinderela será a Andarilha”, meu estômago gelou. Eu realmente não esperava. O outro papel para o qual testei já havia sido atribuído e eu já estava me dando por fora do palco, conformada com alguma função técnica. Por isso, ao ouvir meu nome para a protagonista, meu único movimento foi olhar ao redor, soltando um “uou!” abafado – mais alívio por participar do que triunfo.
Mas as amigas de Vanessa transformaram aquele instante em um roteiro de maldade. Decidiram que minha olhada era um “ha-ha, ganhei!” e o “uou!”, uma provocação. Expliquei? Claro. Pedi desculpas? Até tentei. Nada adiantou.
O que seguiu foram dias de confusão e acusações diretas e indiretas que culminou em um julgamento surreal.
- Fui levada a uma sala com várias meninas, a diretora, a coordenadora e a professora.
- Me acusaram de “cinismo”, “manipulação” e até “falta de caráter”.
- Minhas explicações eram rebatidas com “ah, mas seu tom pareceu irônico” ou “você sabe que fez”.
Até a diretora, que deveria mediar isentamente, procurava subtextos onde não havia nenhum.
O Veredito (e a ferida que nunca fechou)
Para “acalmar os ânimos”, a escola anulou o resultado e refez os testes. Dessa vez, quem decidiu foi a secretária escolar – cujo critério foi “quem projetava melhor a voz”.
Adivinha? Perdi o papel para Natália, uma loira de olhos azuis que nem tinha testado para Cinderela antes (as amigas da Vanessa a colocaram para fazer o teste no lugar da Fabi pois um dos critérios alegados pela professora no primeiro resultado tinha sido meu biotipo mais alinhado com uma francesa do que o de Fabi).
Não chorei. Não gritei. Não contestei. Sequer demonstrei qualquer emoção. Mas engoli aquela injustiça como um vidro quebrado – e, 20 anos depois, ainda sinto os cortes quando alguém me condena sem prova e recusando minha defesa.
O que isso me ensinou (e como me atrapalhou)
Essa história toda me ensinou que ser boa não basta se as pessoas decidirem que você é má e que elas vão fazer o que puderem para tirar suas conquistas se acharem que você não as merece. Também me ensinou o peso da frase “não faça aos outros o que não deseja para si” – e por causa disso, passei a tomar tanto cuidado para não julgar ninguém que me tornei empática demais: costumo considerar com tanto cuidado que uma pessoa deve ter seus motivos para agir como age e perdoar tão fácil quando elas se explicam, que acabei sendo vítima de narcisistas em relacionamentos e amizades. Ironia cruel, né?
Por que estou contando isso agora?
Esse foi o primeiro (e mais grave) dos traumas relacionados a me expressar publicamente. Eu estou prestes a enfrentar esse fantasma agora que resolvi DERROTÁ-LO me tornando uma pessoa pública justamente através da minha expressão. Se vou ser julgada, que seja pelo que realmente digo, não por projeções alheias. Minha escrita é para que minhas palavras não sejam mais sequestradas por narrativas convenientes ao outro ao invés de à minha verdade.
(Des)Ande comigo: se já te julgaram por algo que não fez, comenta aqui: como você lidou?
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