Liderança natural: por que ser proativo atrai inimigos?

Lembram da confusão com o grupo de teatro da escola que eu contei alguns dias atrás? Se não lembram, o link para esse texto está aqui ó: https://mundosdaandarilha.com.br/comunicacao-meu-dom-e-meu-trauma/ 

E se eu te contar que no ano seguinte teve o round 2? Só que dessa vez o problema não foi comunicação, foi outra característica minha que sempre incomodou algumas pessoas: liderança. 

No segundo colegial, me inscrevi novamente para a turma de Teatro. Naquele ano o professor seria outro e dessa vez teríamos as crianças do ensino fundamental na mesma turma. Por isso, quando chegou a época de escolher a peça anual, veio a questão: qual peça poderíamos fazer que tivesse papeis para as crianças. Não queríamos algo totalmente infantil, mas também não poderíamos usar o humor típico de adolescentes e adultos. Eu tinha em casa uma coleção de livros cheios de histórias clássicas e fábulas tradicionais de vários países e me ofereci para pesquisar, entre elas, alguma que pudéssemos adaptar para um cenário fixo e que pudéssemos ter as crianças em cena. 

Escolhi “O Príncipe Kamar e a Princesa Budur” (uma versão infantil, claro), encaixei as crianças nos papeis de geniozinhos, criei o conceito do cenário adaptado para ser fixo, escrevi um rascunho do texto e apresentei para a turma. Todos adoraram e concordaram em fazer essa montagem… até a primeira reunião, da qual o professor por algum motivo não pôde participar. 

Sem ele mediando, os adolescentes monopolizaram as decisões e os pequenos se sentiram excluídos. Como fui eu que “escrevi” a peça, eles me puxaram para um canto e desabafaram – e eu, prontamente, sentei-me perto deles e comecei a ouvi-los, anotar suas sugestões e tudo o mais. Eles ficaram bastante empolgados em serem ouvidos. 

Só que, em determinado momento, eu percebi que os adolescentes tinham ido para o outro lado da sala e conversavam paralelamente, aí eu falei em tom de brincadeira e sorrindo “ei pessoal, venham pra cá, estão se excluindo aí por que?” e tomei totalmente de graça um “você montou seu grupinho aí, a gente montou o nosso aqui” cheio de raiva e desprezo, como se eu tivesse ofendido alguém por ter tirado um tempo para ouvir as crianças. 

Juro: eu fiquei uns trinta segundos de boca aberta parada no meio da sala sem entender de onde tinha vindo aquilo, aquela hostilidade. Relembrando o trauma do ano anterior, eu calmamente e em silêncio peguei minhas coisas e saí, decidida a ir embora sem dizer nada. Fui tomar uma água e, ao ir em direção à saída da escola, passei novamente pela porta da sala onde estávamos e ouvi falarem meu nome – óbvio que eu parei para escutar. Quem não pararia, não é? E acabou que eu ouvi muitas coisas desagradáveis a meu respeito. Tudo porque eu resolvi incluir os excluídos. 

Fiquei do lado de fora e, de propósito, escolhi esperá-los saírem da sala e me ver ali sentada. Eu QUIS que eles soubessem que eu ouvi tudo, quis constrangê-los, isso eu admito. Não sei por que eu achei que o constrangimento de serem pegos falando mal de uma pessoa que eles acreditavam ausente seria para eles algum tipo de consequência, mas obviamente, quem não acha que está errado não acha que merece qualquer consequência. Assim sendo, quando eles saíram e me viram… 

ADIVINHA QUEM VIROU A VILÃ? Passado o susto de me verem ali e a consciência de que eu tinha ouvido tudo o que falaram, a primeira atitude deles foi tentar justificar que o fizeram porque eu tinha sido soberba, autoritária e causado divisão na turma – e quando ficou esclarecido (inclusive por uma das crianças) que eu estava apenas ouvindo os pequenos e não tomando qualquer tipo de decisão sozinha, a segunda atitude para se eximirem da culpa foi usar o fato de eu ter ficado “ouvindo atrás da porta”. Errada fui eu por ouvi-los, não eles por terem tirado as próprias conclusões e depois ficarem falando mal de mim na minha ausência, entenderam a jogada? 

Enfim, para evitar a fadiga, eu me retirei definitivamente do grupo de Teatro e o professor, ao saber de como tudo aconteceu, não os deixou usar meu texto (ele sim era justo), então eles tiveram que se virar para montar uma nova peça faltando menos de dois meses para a apresentação. No final, repetiram o que fizeram no ano anterior: um texto adolescente, com humor adolescente e só uma das crianças participou em cena. Tão genérico que hoje nem eles mesmos devem se lembrar sobre o que era! 

No mundo real de pessoas adultas, principalmente o corporativo, cada atitude que tomei de coração (porque eu simplesmente SOU assim) seria muito bem-visto por qualquer gerência. Tínhamos uma situação que precisava integrar o time inteiro e eu tive proatividade e, com a devida ciência e permissão do professor/gestor: busquei a solução, adaptei o que precisava, apresentei para o time, tive aprovação unânime para seguir com o projeto, na primeira reunião de estruturação tivemos divergências e eu me propus a saná-las de forma que ficasse bom para todos.  

Qualquer gerência veria em mim qualidades essenciais de uma boa líder. Mas, pensando bem, os colegas “da mesma linha ou abaixo no organograma” talvez fizessem a mesma coisa que aqueles adolescentes e já teriam me apelidado de puxa-saco dos chefes, metida, aparecida, mandona, insuportável etc. 

E o pior? Quanto mais velha eu fico mais eu vejo que a verdade é exatamente essa: suas qualidades nunca incomodam quem está acima, só quem está ao seu lado ou abaixo. Isso vale para o mercado de trabalho e até para o mundo espiritual (sim, as demandas que meus guias já tiveram que desmanchar contra consulentes sempre vieram de alguém igual ou mais lascado que eles, nunca de alguém em situação melhor).  

Para mim, essa foi a confirmação do quanto as pessoas são capazes de distorcer narrativas para caberem no que lhes é confortável e que elas farão isso toda vez que não quiserem olhar para seus próprios erros. É uma lição extremamente valiosa para a nossa autoestima, viu? Pena que, algumas vezes na vida, eu esqueci dela… Mas essas são outras andanças. 


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